Aspectos importantes:
O Arte-Diagnóstico Familiar foi desenvolvido por Hanna Kwiatkowska, professora de arte-terapia da Universidade George Washington e da Washington School of Psychiatry, nos Estados Unidos da América. A autora criou uma técnica de avaliação, utilizada no período de entrevistas, cuja linguagem terapêutica baseia-se em desenhos com temas pré-determinados. A família expressa, por meio da arte, sua capacidade de criatividade, de flexibilidade e de integração, apresentando sua distribuição de papéis e suas formas de comunicação, assim como a dinâmica de seu funcionamento.
O sintoma de um membro deverá ser considerado um sintoma da patologia familiar. Recorrer às técnicas de avaliação diagnóstica nas entrevistas preliminares vai além do objetivo de diagnosticar a patologia da família, uma vez que elas também são um facilitador para a adesão da família à psicoterapia. O psicoterapeuta deve sentir-se confortável em aplicar as técnicas de avaliação, escolhendo qual ou quais serão aplicadas, de acordo com o contexto de cada família. A finalidade da aplicação deve estar clara para o profissional: avaliar a interação familiar, conhecer a história da família, constituir um vínculo terapêutico, elucidar a demanda familiar, estabelecer a adesão dos membros ao tratamento e implicar a família na efetuação de mudanças.
A construção desse instrumento foi gradual, passando por diversas modificações e sendo submetido a várias pesquisas. Somente após muitos anos de estudos, finalmente, estruturou-se o ADF como instrumento de avaliação confiável e imparcial. A partir das pesquisas realizadas, concluiu-se que o material artístico espontâneo, produzido nas sessões com as famílias e com os pacientes psicóticos, ajudava os membros familiares e os psicoterapeutas a entenderem melhor os problemas familiares (Kwiatkowska, 1978).
As tarefas que compõem o ADF foram inspiradas em desenhos que apareciam naturalmente nas sessões de arte-terapia familiar. Observou-se que, ao desenvolvê-los, as famílias freqüentemente traziam temas em comum que estimulavam ricas discussões familiares. O ADF consiste na estruturação de seis tarefas realizadas em apenas uma sessão, com todos os membros possíveis da família, até mesmo a presença das crianças pequenas mostra-se importante para revelar segredos e a dinâmica familiar. Esta técnica permite obter também dados referentes às interações, separações, dominação, submissão, retraimento, dentre outros aspectos, de membros da família ou subsistemas. Para a realização dos desenhos, são utilizados cavaletes formando um semicírculo no setting, de modo que todos os membros da família possam ver os desenhos dos demais e comentá-los. Em cada cavalete há uma prancha com seis folhas de papel de tamanho 18x24 cm e uma caixa com lápis cera de cores variadas. Após cada etapa, pede-se à família para retirar a folha usada.
Em todos os desenhos deverão ser observados os comportamentos verbais e não verbais, as interferências feitas nos desenhos dos outros e a ordem de finalização dos desenhos (quem termina primeiro ou por último). A família é convidada a expressar-se livremente, é pedido para cada membro assinar, datar e dar um título às respectivas criações.
A seqüência das tarefas propostas por Kwiatkowska (1971, 1978) é a seguinte: (a) Primeiro desenho livre; (b) Retrato da família; (c) Retrato da família abstrata; (d) Rabisco individual; (e) Rabisco em conjunto; (f) Segundo desenho livre. Essa seqüência é de fundamental importância, pois cada tema pode provocar afetos intensos e estressantes, sendo trabalhados no desenho posterior, como por exemplo, na criação do Retrato da família abstrata, tarefa durante a qual o nível de ansiedade e estresse pode se intensificar. Por isso, logo após esta etapa, faz-se um exercício de relaxamento, pedindo aos membros da família que façam movimentos com os braços e criem um rabisco no ar, desenhando-o em seguida no papel.
De acordo com Kwiatkowska (1978), a primeira e a última tarefa foram inspiradas na técnica criada por Elionor Ulman, psiquiatra norte-americana que foi pioneira ao pesquisar sobre o uso da arte no diagnóstico psiquiátrico. O primeiro desenho, Primeiro desenho livre, é onde se registram as primeiras tensões do grupo familiar: pede-se que os membros da família "façam um desenho daquilo que vier à cabeça, que desenhem qualquer coisa que tenham vontade" (Kwiatkowska, 1978, p. 86).
O tema da segunda tarefa foi inspirado na freqüência com que os membros familiares desenhavam espontaneamente a família. O Retrato da família favorece discussão espontânea, quando é pedido a eles que "façam um desenho de sua família, cada pessoa, incluindo você mesmo" e que "façam um desenho da pessoa toda" (Kwiatkowska, 1978, p. 87). Nesse desenho, podem surgir várias perguntas relativas a quem incluir e como desenhar, devendo ser incentivado que seja criado da forma como a pessoa prefira. Ao terminarem, é solicitado que identifiquem cada membro desenhado.
Um momento que gera muita interação entre os membros da família é quando são solicitados a criar o terceiro desenho: Retrato da família abstrata. Esta tarefa é a mais difícil de ser explicada, e a que leva mais tempo para ser realizada, pois não é fácil de ser elaborada nem mesmo para as famílias mais integradas. Ela tem como objetivo colher informações simbólicas de cada membro. Pede-se que façam outro desenho da família, distinguindo cada membro, incluindo o próprio sujeito. No entanto, não devem desenhar rostos ou corpos, mas usar somente cores e formas para representar o que pensam ou sentem a respeito de cada membro da família.
De acordo com Touson (2002), médico e psicoterapeuta argentino, as cores representam uma forma idônea de se conhecer o inconsciente e o mundo interior do sujeito. Ele justifica a importância das cores devido a sua presença em tudo que nos é visível. Elas são portadoras de conteúdos e significados complexos, que vão além da escuta e da observação sobre a representação do objeto. Desde a escolha da cor até a intensidade do traço, pode-se analisar a expressão espontânea das emoções do sujeito. A partir das considerações deste autor, pode-se afirmar que o uso de cores e formas, na terceira tarefa do ADF, é bastante adequado para representar abstratamente cada membro da família.
O Rabisco individual é a quarta tarefa e oferece uma avaliação individual de cada membro familiar. Solicita-se que façam um rabisco no ar, depois desse movimento livre, solicita-se que cada um fique diante de sua folha, feche os olhos e faça o mesmo tipo de rabisco no papel. Depois do rabisco feito, pede-se que olhem o rabisco e vejam que imagem parece emergir deste, desenhando-a em seguida.
O clímax de ansiedade do grupo familiar se dá no quinto desenho, Rabisco em conjunto, quando são dadas as mesmas instruções do rabisco individual, mas com uma diferença. Solicita-se ao grupo que escolham o rabisco e criem um desenho em conjunto. É importante o mínimo de interferência do psicoterapeuta, com o objetivo de deixar a família muito à vontade. Nesse desenho é solicitado que decidam também o título e a forma de assinarem juntos.
Por fim, o último desenho solicitado, Desenho livre, tem como objetivo a redução da ansiedade do grupo, finalizando da forma que foi começada a técnica. Todavia, existe uma diferença entre o primeiro e o último desenho livre, visto que a criação do último é realizada após a mobilização de afetos intensos. Ele oferece dados de como a família se expressa após momentos de estresse e ansiedade.
Na sessão seguinte deve-se realizar a "devolução" dos dados recolhidos nos desenhos de cada um. Deve-se, junto com a família, entender os significados simbólicos de cada desenho e interpretá-los. Devido à espontaneidade do desenho, as figuras normalmente expressam sentimentos inconscientes e pensar sobre elas é de alguma forma trazê-los à consciência.
Em sua prática clínica com desenhos, Touson (2002) observou que o ato da criação consiste em três momentos: o da expressão, o da contemplação e o da elaboração. O da expressão ocorre no momento da criação do desenho. A contemplação ocorre a posteriori, quando a pessoa tem a oportunidade de examinar e considerar com atenção o objeto expressado, reconhecendo-o como próprio e único. O último momento o da elaboração envolve a resposta e o insight do sujeito ao que foi expressado no papel e também contemplado.
Pode-se pensar nestes três momentos da criação, observados por aquele autor, e correlacioná-los com o ADF. Não seria impróprio afirmar que estes momentos estão presentes na aplicação e na sessão de "devolução" deste instrumento. Na primeira sessão de criação dos desenhos, ocorrem os momentos de expressão e contemplação. Este último envolveria a contemplação familiar em relação aos desenhos de cada membro. Etapa importante de ser observada, pois envolve o "olhar familiar" sobre seu próprio sistema.
Na sessão de "devolução" ocorre a re-contemplação e elaboração conjunta sobre os desenhos. A divisão didática proposta por Touson (2002) ajuda a pensar, de forma minuciosa, sobre a riqueza e coerência do ADF; sendo fundamental não só aplicá-lo, mas também interpretá-lo junto à família. O psicoterapeuta, durante a sessão de "devolução", incentiva a família a perguntar algo que gostaria de saber sobre os desenhos uns dos outros. Além disso, incita a família a pensar sobre o simbolismo das figuras desenhadas. As interpretações do psicoterapeuta são feitas somente depois de oferecer este espaço de reflexão para a própria família (Kwiatkowska, 1978).
Ainda na sessão de "devolução", aquela autora recomenda ao psicoterapeuta comparar o primeiro desenho com o último, com a finalidade de analisar como os membros da família se expressaram após passarem por um alto nível de estresse e ansiedade na sessão. Segundo a autora, são os dois desenhos livres que geralmente expressam mensagens mais importantes. A aplicação deste instrumento tem a particularidade de trazer à superfície assuntos que dificilmente seriam discutidos no início de uma psicoterapia, justamente pela possibilidade de o desenho representar os conteúdos inconscientes. Assim, o ADF, como instrumento de avaliação, não só contribui com dados significativos sobre a dinâmica familiar para o processo psicoterápico, mas também acelera a construção da demanda e a adesão ao tratamento
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-863X2008000300011